Uma grande amiga e parceira de trabalho me falou um dia desses: você tem de escrever um livro! Precisa registrar as histórias e situações que você tem visto no seu trabalho na ONU!
Esse imperativo veio a partir de alguns stories que havia feito sobre um abrigo de menores desacompanhados na Bulgária, que fui visitar.
Ela tem razão: tenho vivido, pessoal e profissionalmente, e tomado consciência de fatos jamais imaginados por mim, mesmo com todo o interesse que sempre tive pelo mundo.
No momento não me acho “capaz” de escrever um livro. Escrever um livro sempre foi para escritores, e eu não sou uma escritora (apesar de sempre ter sonhado ser uma).
Não é exatamente que eu não seja capaz, mas num primeiro instante penso que as histórias que eu poderia contar não chegam a dar um livro, num segundo penso que eu não saberia contar de forma que despertasse interesse.
Não é falsa modéstia! É genuíno. Talvez seja insegurança ou falta de imaginar… imaginar a possibilidade de escrever um livro. Mas a fala dessa pessoa me abriu o desejo de colocar no papel os fatos que testemunho, e as emoções despertadas por eles.
Vamos lá, então:
Esse abrigo que visitei chama-se “Zona de segurança”. É um espaço protegido para os menores (a maioria meninos) que chegam desacompanhados em Sofia, capital da Bulgária. Eles vêm de países em guerra ou em outras situações desumanas, como a Síria.
Na verdade, são enviados pelas suas famílias! Atravessam a Turquia, muitas vezes a pé (são quase 2.000 quilômetros!) para chegarem a esse abrigo. Sim, ele é conhecido. São enviados porque quando chegam à Bulgária sozinhos, têm direito a buscarem suas famílias, então, todos ganham o direito de migrarem legalmente para um país europeu. Um país onde possam ter um pouco de qualidade de vida e, principalmente, dignidade.
Sim, minha organização trabalha com migração. Sua visão é de que a migração ordenada beneficia o migrante e a sociedade. Muitas pessoas são contra imigração. Mas você não sairia do seu país se lá você e sua família corressem risco de vida? Se não pudessem estudar ou trabalhar, pois nas ruas são só bombas e tiros? Se os hospitais estivessem lotados de feridos de guerra e não pudesse oferecer tratamentos básicos? Se seus filhos estivessem passando fome, pois a miséria é a realidade de todos a sua volta? Você não fugiria se você e sua família fossem perseguidos e ameaçados de morte por razões de etnia, raça, religião, língua etc.?
Não dá para ser contra a imigração. Se você for uma pessoa justa e bondosa, não será contra. Entenderá que essas pessoas que fogem são saudáveis, estão tentando sobreviver e ter algum direito respeitado. São iguais a você: querem o bem para os que amam! Só isso.
E outro ponto: imigração sempre existiu, desde que o mundo é mundo. Agora é vista dessa forma negativa porque contraria interesses de países com poder no mundo. E esses povos que criticam e são contra, já foram imigrantes (ou invasores) em muitos dos países de onde as pessoas estão fugindo hoje!
Quando visitei o abrigo, havia alguns meninos nos “espiando” também curiosos. Fiquei com vontade de conversar com eles, mas não falam inglês, só árabe. Muitos não escrevem, apesar de terem entre 10 e 18 anos, pois não puderam ir à escola.
Fiquei olhando nos olhinhos desses adolescentes tentando imaginar o que passaram na vida, no seu país e no percurso até Sofia. Os monitores contaram que muitos relatam vivências e traumas terríveis. Fiquei imaginando o sofrimento deles, e pensando como deve ser a cabeça e as emoções de um menino desse. Será que terão condições sociais melhores para superarem essas vivências difíceis do início da vida?
Muitas perguntas na minha cabeça e emoções difíceis. Mas voltei para o hotel com a certeza de que faço um trabalho valioso ao dar suporte emocional aos funcionários que ajudam essas pessoas sofridas. Estava cansada, triste pela realidade dura do mundo, mas contente de estar fazendo algo para contribuir para uma melhora. É uma gotinha no oceano, mas vale a pena!